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Ellas ganha força na luta contra o machismo e a misoginia
MOBILIZAÇÃO
Educação, Luta, Liberdade, Apoio e Sororidade. Essas cinco palavras que dão origem ao nome Ellas, coletivo feminista que reúne servidoras e alunas do IFSul, dão também uma ideia do tamanho dos desafios que o grupo terá pela frente na defesa, no apoio e acolhimento de mulheres vítimas de machismo, misoginia, assédio, entre outras formas de violência. Uma batalha que começou oficialmente no final de abril e que promete se intensificar ainda mais em toda a instituição de ensino.
Pelo menos é essa a projeção, segundo lideranças e integrantes do coletivo. Hoje, o Ellas conta com 134 participantes em um grupo de WhatsApp e 227 seguidores no Instagram. Números alcançados desde a sua criação, no dia 26 de abril.
“Essa explosão de pessoas é uma explosão de dores que existem no IFSul e na sociedade. O nosso coletivo foi criado a partir do sentimento de indignação e é a representação de todo o nosso repúdio ao machismo presente na instituição. O episódio ocorrido nas nossas eleições fez com que todas as experiências de machismo vivenciadas aqui transbordassem, e cada mulher começou a enxergar na outra a dor que sentia”, desabafa a professora Cristhianny Bento Barreiro, do câmpus Pelotas.
O episódio a que a docente se refere foram os comentários machistas feitos por um servidor do IFSul em um chat do YouTube e no Facebook, durante as eleições para a direção-geral do câmpus Pelotas-Visconde da Graça (CaVG). Nas postagens, que foram printadas e disseminadas rapidamente nas redes sociais e aplicativos de mensagens, ele ataca, mesmo sem citar o nome, a professora e então candidata Fabíola Pereira, mostrando um posicionamento agressivo e machista frente ao fato de uma mulher disputar um cargo importante na instituição. “E aí, Dr. Diretor, parabéns pela vitória em cima das mulheres. Elas querem tudo ao mesmo tempo, ser igual aos homens, fazer doutorado, ter filhos, ser diretora, reitora, vão cuidar do marido e da casa. As que tem, né, porque hoje em dia... Sem comentários”, diz um dos comentários no Facebook.
Este foi o estopim para a criação imediata do Ellas, que começou sua mobilização, via WhatsApp, menos de 24 horas depois da última postagem ofensiva no Facebook.
“Recebi de uma colega professora do CaVG o print da postagem e fiquei tão indignada que, em seguida, já criei o grupo de WhatsApp, convidando as pessoas mais próximas a mim. A repercussão foi tão grande que, na manhã do dia seguinte (27 de abril), já tínhamos mais de cem mulheres no grupo”, conta a professora Denise Lacerda, do CaVG.
Logo depois, no dia 1º de maio, foi criado o perfil do Ellas no Instagram, que já contabiliza 227 seguidores. Atualmente, o coletivo também tem realizado sua mobilização por meio de reuniões virtuais. A primeira aconteceu no dia 29 de abril, e as próximas ocorrerão, a princípio, sempre às quintas-feiras, com o objetivo de definir as prioridades e ações do movimento.
“É um processo em construção. As reuniões são abertas a todas as mulheres do IFSul que queiram participar”, comenta a professora Cristina Zanella, do câmpus Pelotas.
Força
Após a grande repercussão dos comentários machistas, o recém-criado Ellas deu mostras de sua força. Articulou uma denúncia coletiva no âmbito do IFSul, enviada pelo Sistema Unificado de Administração Pública (Suap), com um total de 722 assinaturas. No Suap, também consta mais uma denúncia, agora individual, encaminhada pela professora Daniela da Rosa Curcio, do câmpus Pelotas. “Tomei esta decisão porque também me senti atacada, pois também fui candidata neste pleito (para o cargo de reitora) e sou mulher. Meu objetivo foi dar força às denúncias já encaminhadas e fazer as cobranças necessárias daqui pra frente”, dispara.
Já a docente Fabíola Pereira, alvo das agressões no período eleitoral, apresentou uma denúncia ao Ministério Público (MP) e aguarda os desdobramentos do caso.
“Essas 722 assinaturas, mais a denúncia da professora Daniela, mostram que o coletivo está ganhando cada vez mais força e encorajando mulheres a lutar contra essa cultura machista que existe na sociedade como um todo. Não queremos que o caso fique apenas na esfera administrativa. Queremos que haja ações mais contundentes por parte da instituição, não só de repressão, mas também de educação, para que episódios como este não se repitam jamais e que as mulheres não se sintam acuadas, porque lugar de mulher é onde ela quiser”, ressalta Fabíola.
Em nota, assinada pelo reitor Flávio Nunes, diretores e diretoras de câmpus, em que repudia o discurso misógino e machista do servidor denunciado, o IFSul disse que “em relação ao fato, especificamente, estão sendo tomadas as providências cabíveis, ou seja, o encaminhamento para a Comissão de Ética”.
A instituição destacou ainda que, por meio do Departamento de Educação Inclusiva, ligado à Pró-reitoria de Ensino, juntamente com o Grupo de Trabalho (GT) dos Núcleos de Gênero e Diversidade (Nugeds), já tinha como proposta de trabalho a construção de uma política de prevenção e combate a todas as formas de assédio e violência no instituto, sobretudo as de gênero e diversidade, e reiterou seu apoio e luta “por uma sociedade e uma instituição de educação que respeite e impulsione trajetórias educativas e profissionais de todas as mulheres”.
Reconhecendo o importante papel dos Nugeds, o Ellas garante que não haverá qualquer tipo de sombreamento a este trabalho institucional relacionado a gênero e diversidade. Pelo contrário. A ideia é oferecer um espaço de interlocução, acolhimento e apoio, e fortalecer ainda mais esses núcleos, colaborando na tomada de decisões e implementação de ações.
Cobrança
O servidor responsável pelas publicações ofensivas chegou a enviar, via Suap, uma carta de retratação direcionada ao Conselho Superior (Consup) e às professoras do IFSul. No documento, ele pede desculpas, diz que suas publicações e comentários foram infelizes e que sua intenção não foi menosprezar as candidatas que participaram das eleições para direção-geral e Reitoria do instituto. “As mulheres devem estar onde elas quiserem. Essa é minha convicção”, diz um dos trechos da carta.
Independentemente do teor desta retratação, lideranças e integrantes do Ellas dizem estar atentas ao andamento das denúncias encaminhadas ao IFSul, Ministério Público e até à ouvidoria do Ministério da Educação (MEC). Entendem que, diante da gravidade dos fatos, o caso não poderá passar impune.
“O Ellas não vai deixar passar atitudes como esta no IFSul. Vamos cobrar ações efetivas da instituição para que esse episódio nunca mais se repita”, garante Janete Otte, professora do câmpus Pelotas.
Paola Porto Ramos, aluna do mestrado profissional em educação e tecnologia do câmpus Pelotas, diz que ainda não conseguiu digerir a agressão, alvo das denúncias. Segundo ela, existe ainda um sentimento muito forte de indignação e tristeza que a faz remoer o que ocorreu no IFSul e se colocar no lugar de mulheres que passaram ou estão passando por situações de violência como esta.
“Espero que o PAD (Processo Administrativo Disciplinar) seja observado e que haja uma punição ao servidor denunciado”, diz ela, que também é advogada. Paola, inclusive, afirma ter procurado, em Pelotas, apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), junto à Comissão da Mulher Advogada, e que, em breve, poderão surgir novidades em relação ao caso.
Professor e diretor-geral do câmpus Pelotas, Carlos Corrêa vê como positiva a expressiva participação de alunas e servidoras da unidade de ensino no coletivo Ellas. Segundo o dirigente, essa grande mobilização de mulheres de vários câmpus e também da Reitoria tem tudo para ganhar ainda mais espaço e auxiliar o IFSul, sobretudo os Nugeds, em pautas relacionadas a assédio, machismo, misoginia, entre outros tipos de violência de gênero.
“Entendo que, historicamente, houve avanços, principalmente se compararmos nossa escola com o que era há 30, 40 anos. De lá para cá, as mulheres conquistaram muitos espaços. Contamos com um número expressivo de alunas e servidoras, e muitas ocupando posições importantes no câmpus. No entanto, temos muito a avançar, principalmente em garantir que essas mulheres sejam respeitadas em seu ambiente de trabalho e estudo, além de estruturar uma política institucional de prevenção e combate ao assédio e a outros tipos de violência de gênero. Essa é uma questão urgente e com a qual o IFSul precisa lidar”, avalia.